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Foto do escritorFelipe Anderson

Macumbé - Uma Noite No Riacho

Atualizado: 29 de jan. de 2024


Macumbé (FAZ) - Mão de um licantropo em destaque se dirigindo para uma casa com luzes acesas

Dona Ivone punha a meninada pra dormir na hora certa - na hora que ela achava ser a certa. Essa chácara estava cheia de criança com hora pra dormir! Estava lá uns quatro, um par de irmão menino e um par de irmã menina, cada par primo um d'outro. O rádio tinha acabado de ser desligado, a caixa de som até chiava de sono e dona Ivone no quarto dizia:


- Vamô parar de prosa essa hora uai, hora de dormir!


As cobertas eram quentes nos corpos franzinos, magros e gelados. Mas o cachorro não queria saber de dormir não, latia e uivava, de raiva e medo, tinha bicho solto no quintal, perto do riacho.


- Ora que diacho, esse cachorro não para de latir!


O fogareiro e os lampiões todos apagados, só um último na mesa envernizada, a mesa tinha cheiro de coisa nova e tudo. Já o cão era magricelo, mas esperto, sabia que àquela hora não era hora que ele podia dormir, tinha bicho solto no meio do mato - sentinela fiel, latia e corria de um canto a outro.


A vóinha da menina desistiu de botar todos pra dormir e pensou, preciso ver que coisa é essa, desse bicho não parar de latir. Pegou sua garrucha - uma espingarda que não matava nem folha seca, mas assustava até bicho gordo, e pôs no bolso um machado afiado, daqueles que divide fio de cabelo certinho ao meio. O lampião numa mão, espingarda noutra, machado no bolso e levou junto seu doutorado em coragem.


De porta em porta passou, quando deu um passo para trás viu as crianças curiosas, com a espingarda na mão e bradou:


- Madalena e Rita, cêis dorme logo, quando eu voltar quero ver cêis dormindo!


Pros meninos disse coisa alguma, sabia que com menino homem não adianta aquietar a curiosidade. Ela dava três passos pra porta, eles davam dois, bem miudinhos, quase que protegidos no escudo de vóinha do mato e se escondendo de qualquer coisa. Todos de mãos e pés tremidos, menos os pés de vóinha, até a garrucha se tremia igual bambu em dia de ventania, mas a mão tava firme, quando passou da segunda porta e da porteira pro mato, o cachorro aumentou o latido, latiu, latiu, correu, voltou e chorou; um bicho ao certo pegou o valente Genaro.., e lá se foi Genaro, o cão fiel foi lutar contra um bicho bravo, ele então chorou e parou de latir, a essa hora vóinha véinha caminhou com mais coragem, agora ela queria - por que - queria pegar quem quer que fosse, se fosse uma pedra ela ia pegar até dinamite pra dar fim.


Ela sem medo e brava que mexeram na hora do seu sono, entrou no mato, no escuro e os meninos atrás, somando as duas coragens dos dois pequenos, ia dar uns dez medos e meio.


O bicho que pegou o Genaro fuçava no mato, se escondia e corria calado, só fazendo barulho de bafo, arrastando uma cauda que dava pr'ouvir o ziguezague, cobra e lagarto a essa hora fazendo tanta bagunça é que não devia de ser. A lua acanhada, escondida, cheia de nuvem em volta, o bicho era danado e bicho que come de noite boa coisa num era! Onças me mordam, mas também num podia ser felino caçador, o último ali foi visto a uns cem anos atrás, os caçadores mataram tudinho!


- Ô bicho danado, ocê num vai fugir!


O dedo tava no gatilho com uma mão só, vóinha mirava no barulho que ouvia, entrava mata adentro, os meninos pegavam graveto seco, e iam trocando de tora quando achavam algo maior, só tocando no mato pra eles saberem, o que era o quê!


O bicho da noite corria em círculos e se aproximava, o lampião também não via nada, os vaga-lumes se esconderam miudinhos, bem longe dali. A fera tinha fome e não parecia que tinha comido ainda seu prato predileto, só estava enraivado que tanta gente não te deixava em paz pra caçar seu jantar.


Então dona Ivone pôs o pé numa poça d'água, seu chinelo de pano atolou, foi ela olhar que água era aquela - um disparo de chumbo pro alto, o bicho negro derrubou com violência a senhora destemida, de quebra o bicho se livrou do chumbo quente, quebrou o lampião e gritou ao alto, um som de bicho que era rei do mato - rei da noite escura. Até a luz do lampião o bicho devorou, a vóinha sentiu a pata do bicho quebrar seu ombro e abrir ferida feia, a raiva da criatura só era maior de ver um par de crianças tolas e com medo, eles então correram quando viram sua vóinha cair de lampião na mão.


Os meninos correram mais que puderam pra dentro - um era relâmpago, o outro era flecha! Eles correram e fecharam as portas no caminho. No quarto as meninas gritavam e choravam nas cobertas, ouviram tudo de longe, sentiram o medo chegar perto. A dupla de meninos curiosos trancou do jeito que deu as duas portas e encostaram a portinhola.


Não serviu de nada pra fera com fome de carne pura, o bicho era feio, tinha garras afiadas do tamanho de pata de leão, tinha corpo de urso tição, uma cauda cabeluda - mistura de crina de cavalo e cobra mamba, dessas bem negras, sua saliva aumentava com o cheiro de comida fresca, era bicho grande e bicho homem.


A criançada em desespero e prantos, jogavam as mesas e cadeiras na última porta trancada, gritavam pr'as meninas no quarto!


- É o Macumbé, é o Macumbé, ele pegou a vó! Meu Deus! Salva a gente!


Os meninos jogaram tudo que puderem, trancaram a última porta, na hora que foram fugir um facão varou a porta, quebrou um tanto da porta no meio, era na verdade a unha do Macumbé, primeiro a unha, depois o olho da fera negra - o olho procurava as crianças, um tantinho só de coisa branca, o resto do olho e a pestana era mais negra que a noite, por fim no buraco da porta os dentes - os caninos desse bicho era um bico de urubu em cada dente, a baba escorreu pela madeira, o bicho não desistia de quebrar tudo até conseguir carne de criança boba.


As crianças desistiram e fugiram para perto das primas e da coberta que nessa hora era fria, mas ia servir ao certo pra ser uma última manta de chumbo. Nessa corrida, no meio dos gritos, quando tudo era fim e era comida no prato do Macumbé - Sleeeepppt...


Uma machadada certeira pegou um tanto da cauda do monstro de dois metros e tanto outros centímetros de altura e largura. Macumbé sentiu, o que não podia acontecer e aconteceu. Voínha mesmo caída e quebrada se levantou, deu uma machadada naquela besta da noite, pegou só um tanto do bicho, mas foi o suficiente para ele pular da porta de entrada e correr pro mato.


Macumbé antes de sumir na noite e no mato, olhou para trás, fez seu olhar de vingança e se foi. Já vóinha estava ferida, mas vitoriosa, ao certo se perguntou - já disse pra essas crianças não deixarem o portão do pasto aberto! As crianças ouviram a vóinha triunfar, mas a essa hora não serviam nem de comida, já estavam congeladas de medo. Antes dela abrir a porta e sossegar o facho das crianças, gritou:


- Genaroooo, ohhhh Genaroooo! - Ahhh se esse Macumbé matou meu cachorro, aiiiiii se esse Macumbé voltar!



MACUMBÉ - UMA NOITE NO RIACHO

Felipe Anderson (2015)


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