Umas breves histórias sobre o autismo, deixem-me contar. Me convidaram para conhecer algumas crianças, eu, treinado para ouvir aquilo que não queria ser dito e o dito – atos falhos e lapsos. Escutei então silêncio e gritos – repetições sem sentido. Inútil ferramenta semântica, linguagem falha e desconexa. Um humano sem fala, é uma ave sem asa. Se eu realmente acreditasse que falamos apenas o que pode ser escutado, acreditaria naquilo que nunca ouviria, a verdade que nunca chegaria, aquilo que ali não era falado.
As bocas até falam, outras só mordem, alguns cospem, podem lamber a própria sola do sapato – devem achar o gosto engraçado, espremem os olhos com luzes de natal, sorriem para bolhas sopradas sem direção, giram livres com o ventilador, ou jogam todos os objetos ao chão. Inquietos impetuosos, raivosos sem razão – numa hora ansiosos, noutra calma e retidão; alguns quase não andavam, talvez até caiam ao chão. Síndromes raras, comorbidades associadas, um transtorno sem cara, sem motivo ou razão, a culpa vem, culpa é de quem?
Vacina talvez não seja, agrotóxicos ou alimentos? Não sei! Mutação no gene e tantas outras hipóteses podem servir para alguém ou para vocês. A natureza é assim, machuca mesmo para dar flor, mistura e modifica, transforma e sacrifica, cria e recria, nossa prole e nossa cria. Deixa sempre viva a selvageria - não desliga o primitivo, deixa a esperança mesmo que reduza o brilho. Cai a noite, se foi o dia, amargura com medo, corre para cama dos pais, acende a luz e deixa a urina para trás, sabe tudo o que fazer para ser visto, mas não vê quem o chama, mesmo com grito.
Correndo de um lado para o outro, mais gritos – sem destino – transes constantes, vêm o que não vemos, se comunicam com espíritos. Os sentidos aguçados, ouvem um metal em atrito com o vidro. O tecido grosso precisa ser liso, o barulho e o agito, traz medo e mais gritos. Choro e fuga, debaixo da mesa é um asilo – não querem ir embora, nem sabemos por que, se querem ficar, ir brincar ou correr. Estão bravos agora, e depois riem sem razão. A comida pode ser cheirosa, mas não é líquida, talvez esteja fria, ou talvez precise ser sólida.
Tantos vão além, algum tempo se passou e eu nem sei se eles sabem quem eu sou, uma mãe chora, espera que o filho a beije, ame-a, ou olhe-a, olho no olho, diga alguma coisa, pode ser pai, pode ser oi. Não aguentam um não, parem de bater a cabeça no chão, fiquem longe do fogão, pare de engatinhar e depois bater a mão.
Não sabemos quando isso vai passar, quanto tempo ainda temos que esperar, todas as perguntas, tem sempre uma resposta – vindo de diferentes pessoas. Se tornam muitas as respostas – todas vazias, como meu corpo translucido, sendo agredido, mas não visto. Olham para o vazio, o que vocês vêm, que não querem contar, para ondes vocês foram que não querem voltar?
A memória está lá, as ideias todas, parece tudo no lugar, mas em colapso, tudo agitado. Quando essa poeira vai abaixar? Quando a culpa daquilo que não fizeram vai cessar? Quando sairão daí de dentro para brincar? Abaixem as mãos – parem de balançar, abaixem os pés, desçam esse calcanhar. As famílias me contam, mas querem segurar – o choro, das histórias prontas, só faltava realizar, da vida que não floresceu como podia, esperam ainda que todos esses sintomas possamos atenuar, a cura não está na bula, mas talvez alguns remédios possam ajudar.
Chega de reclamar, acorde cedo vá para terapia, não desista, continue a lutar, só a vida e a mente sabem os milagres que podem operar.
BREVES HISTÓRIAS SOBRE O AUTISMO
Psicólogo Felipe A. Zamboni (2019)
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