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Foto do escritorFelipe Anderson

Amor e Seca de Cordel

Atualizado: 29 de jan. de 2024


Amor e Seca de Cordel - Um homem leva uma charrete sob chuva acompanhado de uma mulher de guarda-chuva em uma região árida

Maneira tola tinha um sujeito do sertão, tanta aridez, meses sem prenúncio de chuva! Moço corajoso, arava a terra e dava passos - dava passos e arava. Fazia de um tudo que tinha. Até o Sol tinha dó de ver ele. Sujeito fiel com seu arado e seus passos na lavoura - que não existia.

- Vem chuva aí! Ele ouvia na sua cabeça oca de cacimba seca!


Media, metrava, mensurava. Só a passos, não tinha coisa outra a não ser mão e pé pra contar, o que o diluvio te traria!


Mais um dia... Outro dia...


Ele punha o chapéu, tirava o chapéu - o solado furado, arrumava o sapato, punha o sapato e tirava o sapato. Mas tudo bem lustroso, naquele seu piso de terra, laranja-brilhoso.


Certo dia sonhou e acordou, era dia de chuva, dizia ele, pr'ele mesmo. Pôs na cabeça que até ficou sonhando a noite toda, não choveu de novo, só uma charrete que parou! Poeira baixou e uma moça de outras bandas se aprumou pra perguntar...


- Ô Sinhô, me dê licença, onde quié, que tem água pra eu e meu cavalo bazé!


Sertanista bobo, ficou quase dois verões se perguntando, quem era a moça formosa, e mais dois meses lembrar quem ele era...


Pôs a mão no queixo e o cotovelo no cajado, pensou em responder mil cousas e perguntar duas mil, levantou o dedo enquanto estufava o peito e disse:


- Água? Oiá, se ocê quiser me ajudar a procurar, por que também tá difiçu pra nóis tudo aqui... Eu, meus bicho e minhas pranta!

- Seca vai, seca vêm, chuva parece que nem no ano que vêm...


A moça? Claro, já se foi! Ainda deixou cair uma fita amarela do seu vestido clarinho azul, mas essa fita ficou na terra mesmo - um calango esperto que dias depois encontrou. O sertanista ficou só com aquela vista boa nos seus olhos caídos e o gosto gostoso de poeira com perfume de moça donzela...


...Umas bandas pra frente a moça se ajeitou, foi ficar com uma tia, até o tempo de seu pai chegar nessas terras e te levar pra capital! Ficava no ia e vinha com sua charrete ajudando sua tia. Levava macaxeira para umas vendas que ficavam longe d'onde que estava.

Em um dia desses a chuva armou! Pingou um - pingou dois - era um pingo numa lentidão que dava para se esticar na rede, enrolar o cigarro e depois encher as cacimbas tudo! Ou não, no terceiro pingo, já vieram três mil, pasto seco e tudo seco - já estava molhado. O cavalo não sabia se corria ou se bebia, arrastando a moça formosa na charrete, uma roda parou na lameira e todos ficaram de banho tomado...

...A moça, o cavalo, o pasto, a plantação e o sertão!

O moço avistou a moça, pegou sua melhor folha seca e foi salvar ela de molhar um pedacinho de nada da nuca que ainda estava seca! Ele tinha um canto pra deixar o cavalo também. Essa chuva chegou - pra demorar e ficar, ninguém tinha pr'onde ir mesmo!

...Então se apresentaram de novo...

É tanta história pra passar o tempo, que eles começaram a falar, que nem precisava mais ninguém contar. Era risada só de olhar! Moço simples, pobre e magro, mas esperto e garboso, sonhava com essa chuva! Toda plantação contada dia-dia com a mão! E ela esperando seu pai chegar, já há umas semanas pra te levar pra capital...

...Na cacimba oca da cabeça do Zé do sertão batia rápido e no repente seu coração...

- Ah! Vai que essa moça esquece desse tal de Capital e fica aprumada pras banda de cá... Que meu deus me dê uma formosura boa assim pra casar.

A rede era uma só... a noite ia ter que ser lá, dos dois e dos bichos tudo - o potro manco Bazé, o bode velho Javé e o cachorro magro Ciçu - esse sem rimar assim mesmo.

Onde cabia um ia ter que caber dois! Ele tinha couro velho pra dormir e colcha puída, ia ser cordial com a visita, mas a risada era tão boa - que a moça ficou até boba! Ficaram os dois no couro, os dois na rede, os dois na colcha, os dois pela casa - deu até pra beber água e um pouco de cachaça!


...Se ela esqueceu do tal Capital? Óia, sabe que eu num sei! Só sei que choveu e vai dar pé de tudo que prantá!

AMOR E SECA DE CORDEL

Felipe Anderson (2015)


MENÇÃO HONROSA

Aos escritores do Nordeste, das vidas e das secas, e aos xilogravuristas como J. Borges e ao mestre Ariano Suassuna.

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